É quase como me perguntar por que eu faço o que eu faço hoje. Mas, assim como qualquer ser humano, feminino, principalmente, eu já me questionei se afinal estou endereçando meus incômodos e cumprindo meu desejo –ou propósito, para usar a palavra da moda– por meio do meu trabalho.
Refletindo fundo (num processo lindo de coach baseado na antroposofia, conduzido pela Fabiane Vasconcellos), eu descobri que o que mais me incomoda e ao mesmo tempo me motiva a fazer algo à respeito são três pontos.
Um deles é a baixa autoestima dos brasileiros –achamos que tudo que temos é pior que o resto do mundo–, principalmente das brasileiras. Outro é o preconceito com tudo que é diferente de nós, seja de classe social, de raça ou de gênero (sempre vi beleza e riqueza na diversidade).
E, finalmente, a pequena oportunidade de escolha das mulheres, seja pela ausência de privilégios, ou até por pressão social. Quem não tem uma amiga que ou se casou, ou teve filhos ou seguiu uma carreira, ou as três opções juntas, por livre e espontânea “pressão”? Conheço muitas meninas, mas bem poucos meninos nesta situação.
Depois de colocar meus incômodos para fora, foi a vez de pensar como eu queria endereçá-los. Quais eram de verdade os meus desejos? Numa intensa reflexão, conclui que o que eu quero mesmo é gerar oportunidade para que mulheres possam mudar suas histórias através do direito de escolher.
Parece simples, mas quando estamos falando de mulheres residentes em pequenas comunidades espalhadas por todo Brasil, na minha opinião, onde se encontram as melhores experiências, histórias, comidas, em resumo, o Brasil autêntico, a maioria delas não tem escolha.
Seja ficar ou sair, casar ou ficar solteira, estudar ou não, muitas fazem o que fazem porque precisam. Gostam? Muitas vezes sim, aprendem a gostar. São fortes, resilientes, encontram beleza e felicidade nas pequenas coisas. Mas se pudessem voltar atrás e ter escolha, talvez teriam seguido caminhos diferentes.
E como posso ajudar essas mulheres, suas filhas e netas a mudar essa realidade? Com o turismo, por meio da Vivejar, gerando três resultados bem objetivos.
Primeiramente, com geração de renda. Turismo é atividade econômica. Nas comunidades onde trabalhamos, as mulheres são remuneradas por todo o tempo e trabalho dedicados aos turistas: hospedagem oferecida nas suas casas ou pousadas familiares, refeições deliciosas que nos preparam, oficinas, atividades e rodas de conversa que nos oferecem.
Um dinheiro que, na maioria das vezes, não estava previsto (renda extra) e que vai direto para as mãos delas para realizarem pequenos sonhos como uma reforma da casa ou a compra de um bem importante e desejado. Renda é igual a realização de sonhos.
Em segundo lugar, preservação da cultura e do meio ambiente. Sabendo que o turista vem e claro, quer conhecer a história, os costumes locais, aproveitar os espaços naturais disponíveis e visitar os locais mais relevantes da comunidade, é muito importante que tudo isso esteja lá, cuidado, limpo, preservado.
Mais um motivo para a comunidade se apropriar, manter e melhorar cada vez mais. Preservação neste caso é igual a renda. Bom para a comunidade, bom para o turista também.
E terceiro, o aumento da autoestima. Sabemos o valor motivacional de um elogio e de um reconhecimento público. No trabalho, renova nossa energia, satisfação e vontade de ser cada vez melhor.
No turismo comunitário, quando um turista escolhe passar seu tempo livre (hoje cada vez mais escasso) naquela comunidade, já pode ser encarado como um grande elogio.
E quando ele se dispõe a pagar para vivenciar o dia a dia –dormir em suas casas, comer os pratos típicos, conhecer suas atividades, ser guiado pelas trilhas de todo dia e ainda dançar e celebrar junto com todo mundo– e ainda quer pagar por isso, é ou não é um super elogio?
Alguém que se dispõe a investir para conhecer a minha vida, que até então eu podia até achar sem graça, faz a gente se sentir bem demais. Elogio é bom e a gente gosta muito!
E afinal, por que as mulheres?
Bem, além de feminina, feminista e ativista na causa do empreendedorismo e do empoderamento feminino, eu tenho sim uma justificativa bem objetiva. Investir na Mulher é investir no coletivo, no desenvolvimento local.
Muhammad Yunus (meu ídolo), Nobel da Paz em 2006, criou um lindo projeto de microcrédito em Bangladesh na década de 1970, no qual somente mulheres podiam ser tomadoras de empréstimos.
Ele diz: “São as mais pobres entre os pobres. E estão desesperadas para cuidar adequadamente de seus filhos. Os homens não estão ao lado dos filhos em tempos de crise. Elas sim. Têm mais razões para sair da pobreza, seus filhos”.
Desde então, os principais projetos de desenvolvimento socioeconômico no mundo têm a mulher como principal protagonista. Na Vivejar, não seria diferente.
Por Marianne Costa para Folha de São Paulo 08 de março de 2018.
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