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Toda vez que tenho o privilégio de estar com indígenas brasileiros, me sinto como se aquele momento fosse tão valioso quanto várias sessões de terapia ou muitas aulas na escola tradicional. 

Foi assim que me senti visitando recentemente a aldeia Tenondé Porã, que, por incrível que pareça, está localizada dentro da maior capital do Brasil, São Paulo. 

O motivo da visita? Outro presente: promover o encontro e o intercâmbio de experiências entre a aldeia e Valdemar Lins, representante da AYRCA – Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes e coordenador do projeto Yaripo – Pico da Neblina.,que veio lá de Maturacá, município de São Gabriel da Cachoeira (AM), região conhecida pelos Yanomami como Urihi a, que em português pode ser traduzido como nossa terra-floresta. Maturacá fica fica a 14 horas de barco de São Gabriel da Cachoeira, que por sua vez fica a 2 horas de voo de Manaus, capital do Amazonas. 

Tive a oportunidade de conviver com Valdemar, que veio participar do primeiro debate sobre turismo em terras indígenas, promovido pelo Coletivo Muda pelo Turismo Responsável —do qual sou fundadora— em parceria com o Ministério do Turismo e realizado dentro da maior feira de turismo da América Latina, a Feira das Américas. 

Fizemos história ao colocar indígenas em seu lugar de direito, de onde nunca deviam ter saído: o palco. Operadoras especializadas em turismo responsável na Amazônia, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) —órgão responsável por regulamentar o turismo em terras indígenas desde 2016—, Valdemar e Kerexu Mirin, presidente da Associação da Aldeia Guarani Krukutu, trataram de esclarecer, conceituar e desmistificar a importância do turismo como vetor de desenvolvimento social, ambiental e econômico para os povos indígenas. 

O evento foi um sucesso, o auditório não comportou todas as pessoas, muitas tiveram que se sentar no chão. Todo mundo ali: agentes de viagem, guias, profissionais do setor, gestores públicos. Todos querendo saber mais, entender, tirar suas dúvidas, se aproximar do tema, que ainda é muito recente.

Impressiona a pouca idade dos dois. Valdemar tem 27 anos e Kerexu tem 23, ambos já ocupando papéis de protagonistas em suas aldeias. Quem convive com indígenas sabe que os mais velhos é que costumam estar à frente nestes assuntos. Sinal de que os tempos estão mudando nessas bandas também, e que mais Gretas Thunberg virão por aí. 

Aprendi tanto com Valdemar durante todos esses dias, suas falas escassas, seu olhar aberto e atento, suas conclusões precisas me mostraram o quanto precisamos aprender a ser objetivos, a focar no que realmente importa e a escutar o silêncio. Com os guarani, junto com Kerexu e durante a visita, aprendi a verdadeira importância do tempo e como é preciso estar presente no que se faz, respeitando o ritmo do indivíduo e da natureza, e a persistência de querer resgatar e preservar sua cultura através do turismo responsável.

E foi da Jerá Poty Mirin, líder da aldeia Tenondé Porã, que ouvimos algo que sacudiu o pensar. Jerá atua há 6 anos num movimento de resgate das sistemas tradicionais agrícolas e da plantação orgânica na sua aldeia. Ia dizer que a proximidade com a cidade não estimula as roças, mas a verdade é que as aldeias estão dentro da cidade e mesmo assim eles persistem no seu cultivo.

Ela já rodou Brasil e América do Sul intercambiando sementes e espécies. Só de batatas, deve ter mais de 50 por lá. Jerá é professora, estudou pedagogia e hoje se considera agricultora, sua atividade principal, e tem muito orgulho disso. Com uma fala bem simples, compartilhou suas reflexões com a gente. “Os juruás [brancos] vivem com a ilusão de que precisam estudar, ter uma carreira e seguir um plano igual ao de todo mundo, para ser feliz e ter sucesso. Quem disse isso? Hoje eu sou agricultora, vivo na minha aldeia, sou feliz.”

Finalmente, falamos sobre o turismo. Para eles, a visitação é encarada como uma forma de educação e desmistificação da cultura indígena para os não indígenas (assim como contei na Folha sobre os Xavantes). 

A aldeia Tenondé Porã recebe principalmente grupos de escolas paulistanas, públicas e privadas. Desde que o plano de visitação do território foi aprovado e culminou neste site lindo, onde são feitas as reservas e a divulgação das atividades, aumentou muito a procura de turistas por lazer, os quais na maioria das vezes estão em pequenos grupos (famílias ou casais), o que Jerá sabiamente explicou que não desejam. 

Um grupo é muito mais vantajoso e eu logo pensei com a minha cabeça de operadora: “sim, claro. Mas por que então não cobrar um valor mais alto dos grupos menores e assim garantir a mesma receita entrando?”

Ainda bem que pratiquei a respiração, a pausa e a escuta. Em pouco tempo ela respondeu antes que eu pudesse perguntar: “a gente não quer viver de turismo, precisamos fazer nossas coisas. Com as visitas queremos mesmo é sensibilizar as pessoas, então quando vem um grupo grande a chance de resultado é muito melhor.” Ou seja, dinheiro é bom, mas claramente não é a prioridade. 

Para que o dinheiro sem o tempo? Tão simples. Tão óbvio. Tão transformador.

Imagina se cada brasileiro pudesse ter essa experiência e saísse de lá com esse questionamento: de que serve o dinheiro sem o tempo? Qual seria o impacto nesse indivíduo e no coletivo? 

O turismo responsável é uma boa alternativa para os povos indígenas, desde que eles sejam protagonistas no processo de planejamento, organização e implementação. Além disso, o papel de parceiros sérios e sensibilizados faz com que o processo de venda seja um verdadeiro “filtro”, fazendo com que os turistas sejam pessoas sérias, abertas e que possam honrar verdadeiramente o privilégio de beber da fonte da nossa ancestralidade. 

É nisso que os membros do Coletivo Muda —incluindo a Vivejar, minha empresa— acreditam. Não só para os povos indígenas, mas para todos os povos tradicionais brasileiros. Permita-se viver uma experiência assim: simples, óbvia, transformadora.

 

Por Marianne Costa para Folha de São Paulo em 8 de outubro de 2019.

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